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Como conciliar patente e acesso a medicamentos
Fonte: Guia da Farmácia Online
Data de publicação: 26 de maio de 2015
A Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos) conseguiu anular a patente do composto bevacizumabe, ativo biológico utilizado na produção de medicamento para tratar vários tipos de câncer, entre eles o de cólon, reto, mama e pulmão. É a primeira vez que a entidade ingressa com uma ação de reversão de patente no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Neste caso, a Pró Genéricos obteve ação de nulidade da carta patente PI9809388-6. O medicamento resultante da molécula é de uso hospitalar e, atualmente, é adquirido apenas pelo sistema privado ou via judicialização (em que o governo, por meio de determinação judicial, é obrigado a comprar o produto para o paciente que o requerer), pois não está disponível na rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS). Bevacizumabe, cujo medicamento de referência é o Avastin da Roche, estava com a proteção patentária concedida à companhia Genentech. A unidade desse fármaco custa, em média, R$ 10 mil e, em 2014, o produto movimentou R$ 369,4 milhões no Brasil. Em âmbito mundial, a molécula gera mais de US$ 7 bilhões ao ano.
Segundo a presidente da Pró Genéricos, Telma Salles, a importância da anulação da carta patente do bevacizumabe não é apenas econômica, mas também prioritária para o desenvolvimento industrial no País, sem contar o aumento do acesso da população a um tratamento moderno para uma doença complexa. “O produto ficará significativamente mais barato, garantindo essa acessiblidade. Além disso, o governo brasileiro chancelou quatro Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) envolvendo o produto, que será desenvolvido no Brasil”, revela. As PDPs consolidadas para a produção local do bevacizumabe são formadas entre as empresas Instituto Vital Brasil (IVB)-Bionovis, Butantan-Libbs, Biomanguinhos-Orygen e Tecpar-Biocad. “Essas PDPs irão viabilizar a distribuição do produto pelo SUS”, informa Telma. Outro ponto destacado pela presidente da Pró Genéricos se refere ao procedimento da Pró Genéricos. “Sempre partimos do Poder Judiciário para reverter as patentes. Dessa vez, focamos a desconstrução da carta patente por meio de uma ação interna no próprio INPI, com base não apenas em argumentos técnicos e administrativos, mas também no cumprimento dos trâmites e das exigências do órgão”, explica.
Para o diretor de Acesso da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Pedro Bernardo, essa atitude da Pró Genéricos resultou em um tema puramente técnico-jurídico, em que cada caso deve ser avaliado pela Justiça. “Isso não tem relação com a quebra de patentes que se trata de uma ação mais preocupante e que deve ser evitada. A patente é uma garantia de exclusividade de mercado por um determinado período. Esse direito possibilita novos investimentos em pesquisas para desenvolver fármacos mais eficientes”, diz Bernardo. Os medicamentos de referência tornam-se inovadores. Quando lançados, transformam-se em uma alternativa de tratamento, antes inexistente na medicina, e são resultantes de muitos estudos. “Em média, para criar um medicamento são necessários dez anos de pesquisas complexas em diversas partes do mundo e cerca de US$ 900 milhões (R$ 2,8 bilhões) de investimentos. É um trabalho gigantesco para que os cientistas desenvolvam uma molécula viável. Esse esforço viabiliza o avanço da medicina, pois propicia novos tratamentos para doenças antes sem cura ou sem controle. Hoje, as terapias de referência representam quase 40% do mercado nacional. As pesquisas necessárias para a medicina desenvolver medicamentos ainda mais eficientes contra doenças e minimizar as reações adversas são custeadas pelas vendas”, completa.
Pesquisa e Desenvolvimento
Segundo a Interfarma, a indústria farmacêutica mundial aplica entre US$ 160 bilhões e US$ 180 bilhões em pesquisas. A crescente complexidade para desenvolver novos medicamentos faz com que, de cada 10 mil tentativas de novas moléculas, apenas uma chegue ao final do processo já transformada em medicamento, distribuída e comercializada no mundo. Portanto, esse único medicamento que dá certo, em 10 mil tentativas, tem que carregar o custo das 9.999 que não deram certo. Além disso, cada medicamento deve passar por quatro fases de pesquisa. Para se ter uma noção do que o investimento em novos medicamentos representa, os laboratórios Roche, Novartis, Johnson & Johnson e Merck Sharp & Dohme (MSD) investiram juntos US$ 35,6 bilhões em inovação em 2014, quantia próxima ao faturamento de toda a indústria farmacêutica instalada no Brasil.
Estudo do ViS Research Institute aponta que a participação global do Brasil em estudos clínicos atinge 1,2%. A indústria farmacêutica baseada no País aplica somente 10% do faturamento em pesquisa – cerca de R$ 4 bilhões anuais, a metade do que é colocado nos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, que aplicam 20% todos os anos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). No entanto, alguns avanços têm ocorrido. Segundo o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, as grandes empresas de capital nacional, que ganharam musculatura com o crescimento do mercado, mantêm projetos bem estruturados de inovação. “Algumas investem entre 10% e 12% do faturamento em P&D e já possuem medicamentos patenteados nos EUA e na Europa”, salienta Mussolini. “Nós temos indústrias nacionais trabalhando com nanotecnologia e biotecnologia”, acrescenta o coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo, professor Alexsandro Macedo Silva, destacando que a área mais estudada atualmente é a do câncer.
Conquistas limitadas
Mesmo com esses avanços, o acesso da população a tratamentos mais modernos é limitado por ainda depender de medicamentos importados e caros. O INPI considerou os argumentos da Pró Genéricos, no caso da nulidade de patente do bevacizumabe e não atendimento ao requisito da novidade, falta de atividade inventiva, falta de suficiência descritiva e falha de fundamentação. “Invertermos a lógica das empresas que sempre recorriam de nossos questionamentos no Poder Judiciário, muitas vezes se aproveitando da morosidade da Justiça brasileira para manter seus privilégios”, afirma Telma Salles. A executiva afirma que, com o apoio técnico e a celeridade do INPI, “que se sensibilizou nesse caso tão importante para a saúde pública brasileira, devemos assistir a uma mudança de paradigma”. Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), se o produto não tem patente, qualquer laboratório pode submeter o registro à Anvisa e colocar o medicamento no mercado. “O papel da Agência nesse caso é analisar o pedido com prioridade para que o fármaco chegue às prateleiras. É importante destacar que o pedido de prioridade pode ser feito pelo laboratório ou pelo próprio Ministério da Saúde (MS)”, afirma o órgão.